Lula (PT) e Jorge Messias, ministro do STF – Foto: assessoria do Planalto.
Ministro alega que objetivo não era identificar fraudes e não teria levantado elementos suficientes para providência judicial
Cláudio Humberto –
O ministro Jorge Messias, chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), que aguarda a oficialização de sua escolha para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF), ignorou um alerta da própria AGU, que apontou o sindicato do irmão de Lula (PT) como um dos principais envolvidos em suspeitas do roubo bilionário a aposentados e pensionistas, por meio de descontos associativos não autorizados pelas vítimas. A revelação é de reportagem de Vinícius Valfré, publicada esta noite na plataforma do jornal O Estado de S. Paulo.
Na sequência, a reportagem informa que, procurada, a AGU afirmou que o documento em questão — fruto de uma fiscalização em uma de suas equipes com 63 procuradores da região Sul — não tinha objetivo identificar fraudes e não teria levantado elementos suficientes para providência judicial. Disse ainda que atuou tecnicamente com base em critério aplicado a partir de apurações da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU) (leia mais abaixo).
O Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindicapi-FS) aparece em um processo interno da AGU, de 2024 que listou nove “principais” entidades com “aumento significativo” de reclamações judiciais sobre descontos não autorizados. O sindicato tem como vice-presidente José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão de Lula.
Frei Chico, irmão de Lula e vice-presidente do Sindinapi.
Para você
Esse processo reunia informações para que, “caso comprovadas as irregularidades na inclusão dos descontos”, fosse realizado o “cancelamento dos convênios” com o INSS.
Os documentos afirmam textualmente que essas informações serviriam para “encaminhamento de pedido de providências” junto à autarquia previdenciária para dar “início ao procedimento de averiguação de indícios de irregularidades e instauração de processo administrativo de cancelamento dos convênios”. A observação foi feita em abril de 2024.
Ao pedir à Justiça, em 8 de maio de 2025, o bloqueio de bens de entidades suspeitas de fraudar aposentados, Messias não levou em conta esses achados da AGU e deixou de fora seis das nove entidades mencionadas no levantamento da instituição que lidera.
Messias é, hoje, o mais cotado para ser indicado por Lula à vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) aberta com a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso.
Além do Sindnapi, Conafer, Master Prev, Cobap, Unipab e Abamsp estavam citadas no mesmo documento da AGU, como “principais” suspeitas, e foram poupadas dos primeiros pedidos de bloqueio apresentados por Jorge Messias contra 12 entidades. Das nove, AAPB, a AP Brasil e Unaspub apareceram concomitantemente nas duas listas.
A Contag é a entidade que mais arrecadou com descontos associativos. Entre 2016 e janeiro de 2025, foram R$ 3,4 bilhões, segundo dados levantados pela CGU.
A entidade reúne associações e sindicatos de trabalhadores rurais historicamente envolvidos no apoio e em pautas do PT, assim como movimentos como a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Os critérios usados por Jorge Messias
Para solicitar os bloqueios, o chefe da AGU optou por levar em conta outros critérios. Segundo o ministério, o levantamento da equipe do Sul não reunia elementos suficientes para motivar uma ação judicial contra as entidades mencionadas no processo interno.
Pressionado para explicar quais foram, na época, o órgão disse que mirou entidades que a PF apontou como suspeitas de serem pagadoras de propina e de serem de fachada.
Em entrevista ao programa oficial “Bom dia, Ministro”, em 20 de maio, ele declarou: “O que não temos nesse momento é elementos de prova para colocar todas as entidades na condição de entidades fantasma ou entidades criminosas. Se tiver irregularidade, vai pegar pela irregularidade”.
Agora, os novos documentos indicam que um setor da AGU tinha um mapeamento próprio sobre indícios de alastramento das fraudes, sabia do problema dos descontos ao menos desde o início de 2024 e cobra medidas do junto ao INSS.
A reportagem do Estadão perguntou à AGU, nesta segunda-feira, 17, qual foi o critério objetivo utilizado para a medida cautelar e o porquê de a medida na Justiça ter desconsiderado as associações citadas em levantamento interno.
Em nota, a pasta afirmou que apresentou a primeira leva de medidas cautelares com base em apuração administrativa realizada pelo INSS, nos Processos Administrativos de Responsabilização (PARs) da CGU e a partir dos casos com fortes indícios de “terem sido criadas com o único propósito de praticar a fraude com uso de ‘laranjas’”.
“Ao ajuizar as primeiras ações, a AGU atendeu a pedidos do INSS e da CGU. Elas tiveram como alvo, portanto, 12 entidades associativas, seis consultorias, dois escritórios de advocacia e três empresas”, alegou.
O que a AGU tinha levantado?
O levantamento sobre os nove sindicatos e associações “principais” com indicativos de fraude aparece no âmbito de um processo administrativo aberto especificamente para lidar com o crescimento de demandas envolvendo o INSS por procuradores da AGU na 4ª Região, que abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Embora elaborado regionalmente, a existência do trabalho não ficou restrita aos procuradores regionais. Em 30 de agosto de 2024, chegou ao conhecimento do corregedor-geral da AGU, Heráclio Mendes de Camargo Neto. E em 3 de setembro de 2024 foi enviado pelo corregedor ao ministro Jorge Messias.
No dia 15 de outubro de 2024, o procurador Flávio José Roman recebeu e aprovou o relatório assinando como Advogado-Geral da União Substituto.
Nessa data, Messias despachou normalmente no Palácio do Planalto. Perguntada sobre o por que de o documento não ter sido assinado pelo chefe da pasta, a AGU afirmou que a aprovação pelo ministro substituto “se deu seguindo a regular rotina administrativa”.
As informações chegaram à cúpula da AGU, em Brasília, porque foram colhidas no âmbito de uma correição (fiscalização) realizada em uma equipe de 63 procuradores com atuação no Sul do País. É um processo que costuma ser realizado de forma aleatória e por amostragem para averiguação de produtividade, regularidade, eficácia e condições de trabalho dos servidores públicos.
As demandas relativas ao INSS na Justiça — que têm a AGU como “advogada” nesses processos — foram alguns dos pontos mais críticos abordados na correição. A fiscalização contou com análise de processos e reuniões com as equipes de procuradores.
Em uma dessas reuniões, em 22 de abril de 2024, o grupo avisou a corregedoria que “o alto volume de trabalho referente às ações de empréstimo consignado e contribuições associativas aliado aos prejuízos sofridos pela autarquia previdenciária demandam uma revisão do tema”.
O quadro levou à abertura de processo administrativo específico para monitoramento das ações judiciais. Com relação aos consignados, ficou demonstrado que “dos principais bancos que figuravam como réus”, apenas três estavam em mais de 60% dessas ações”.
Em relação aos descontos associativos, o relatório informa expressamente a existência de um processo administrativo por meio do qual a direção do INSS havia sido informada sobre “aumento significativo de ações envolvendo associações de aposentados” e instada a tomar “providências cabíveis para suspensão dos convênios junto ao INSS”.
É nesse processo administrativo em que estão as entidades apontadas como principais no incremento de ações judiciais que as acusava de aplicar descontos que não foram autorizados.
O alerta não ficou apenas no relatório de correição. Em paralelo, a equipe de procuradores do Sul fez tratativas junto ao Judiciário e ao INSS para mapear o tamanho do problema e encaminhar providências.
Em um dos ofícios encaminhados ao Centro Local de Inteligência do Judiciário da 4ª Região, no âmbito do processo administrativo informado à Corregedoria, os procuradores pediram comparações de estoques de processos relacionados aos descontos para “apuração de irregularidades”, que, caso comprovadas, embasariam providências para cancelamento dos convênios das entidades com o INSS assim como feito com quatro outras entidades em 2019.
Apesar das alegações da equipe técnica referentes a suspeitas de descontos ilegais, de proposta de encerramento de convênios e de paralelos com fraudes semelhantes de anos anteriores, a cúpula da AGU afirmou que não havia elementos para uma medida judicial a partir do trabalho dos procuradores regionais.
O que a AGU diz sobre a menção ao sindicato de Frei Chico
Em nota, a AGU afirmou que o relatório de correição teve como objeto a avaliação da gestão de processos, com foco na verificação da regularidade e da eficácia dos serviços jurídicos prestados pela unidade que foi objeto da correição.
“O trabalho não identificou fraudes nos descontos associativos nem trouxe elementos que justificassem atuação investigativa ou corretiva por parte da AGU quanto esse tema, pois esse não é o escopo de uma correição ordinária”, frisou.
A reportagem perguntou expressamente à AGU o motivo de não ter considerado ao anunciar providências o processo citado na correição que listava entidades como o Sindnapi.
A pasta destacou, entre outras coisas, que “não detém atribuições de polícia judiciária ou de controladoria administrativa, mas de representação judicial/extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico da Administração Pública Federal”.
“Esse monitoramento cumpriu exatamente o seu propósito, tanto que suas conclusões foram encaminhadas à Direção do INSS. O documento desencadeou uma sequência de ações da equipe técnica da AGU junto à Direção Central do INSS e ao Poder Judiciário. Em diversos comunicados administrativos e reuniões foram tratados temas relativos à possível existência de prática de advocacia predatória e de medidas necessárias à melhoria da defesa jurídica do Instituto”, disse.




